Opinião de Guilhermina Rego - Professora Catedrática da FMUP
Também incluído no FEPIANO 54, publicado em Janeiro de 2025
Embora se aceite nas sociedades modernas que o acesso aos cuidados de saúde é um direito fundamental que assiste a qualquer cidadão, parece pertinente questionar-se em que sentido estes cuidados podem e devem ser providenciados, e em que medida é legítimo limitar o acesso à saúde por restrições de natureza financeira.
Assegurar uma distribuição equitativa dos recursos disponíveis pelos diferentes estratos da população é uma das preocupações atuais das entidades governamentais. Esta afetação de recursos deverá ser guiada por critérios de natureza ética, embora se observe que cada vez mais os critérios de natureza económica são igualmente determinantes para a reforma do sistema de saúde. A análise económica é fundamental, dado que, apesar do aumento verificado nos recursos financeiros que têm sido afetos ao setor da saúde em Portugal (10% do PIB em 2023), ainda se constata a sua escassez em determinados contextos. Não só a de recursos financeiros, mas também de recursos humanos, tecnológicos, instalações e equipamentos.
Uma análise económica eficaz contribui para que os recursos sejam utilizados de forma racional e sustentável, além de garantir o acesso à saúde. Assim, é determinante assegurar que os recursos financeiros sejam alocados onde são mais necessários, o que implica uma tomada de decisões fundamentada e accountable sobre como investir em infraestruturas, tecnologias e recursos humanos de modo a maximizar os benefícios à população. A sustentabilidade financeira é um ponto crucial para garantir que o sistema de saúde se mantenha viável a longo prazo. Para este efeito, uma boa gestão e uma boa liderança são o garante de um acesso equitativo e universal aos cuidados de saúde.
Assim, a gestão, a liderança e a economia da saúde são pilares fundamentais para garantir um sistema de saúde eficiente, eficaz e sustentável. Num contexto onde a procura por cuidados de saúde cresce constantemente, impulsionada pelo envelhecimento da população, pela inovação tecnológica e pelo aumento das doenças crónicas, o equilíbrio entre a eficiência e a qualidade dos serviços é essencial.
A interação entre gestão, liderança e economia é vital para que um sistema de saúde funcione de forma eficiente e sustentável. Se por um lado a gestão fornece uma base estruturada para os processos, a liderança motiva, inspira e orienta as equipas. Já a economia da saúde tem o seu foco no uso racional dos recursos. Adicionalmente, uma gestão eficiente otimiza o uso dos recursos financeiros, materiais e humanos, contribuindo para a sustentabilidade económica do sistema de saúde.
Por sua vez, uma liderança eficaz reforça a implementação das práticas de gestão, assegurando que os processos sejam seguidos corretamente e que os profissionais estejam comprometidos com a instituição, o que se traduz num ambiente de trabalho mais colaborativo e focado na melhoria contínua. Líderes bem informados sobre questões económicas conseguem afetar recursos de forma mais estratégica, priorizando áreas de maior impacto para a saúde em geral e para a saúde pública em particular. Além disso, são capazes de defender melhores práticas de gestão financeira para garantir a sustentabilidade.
Neste enquadramento, é imperativo preparar futuros gestores e líderes de modo a alcançar uma melhoria duradoura nas lideranças da saúde através da formação de profissionais com um foco em prática baseada na evidência. Dotar os profissionais de saúde, sejam clínicos ou não, de competências abrangentes nas áreas de gestão e de economia, que lhes permita uma intervenção prática e eficaz no contexto das organizações da saúde, sejam elas públicas, sociais ou privadas, nacionais e internacionais, é prioritário. Também profissionais oriundos de outros setores de atividade podem ser excelentes gestores da saúde com a formação técnica e empírica necessária.
Assim, as instituições de ensino superior com competências para o efeito podem e devem contribuir para a formação nestes domínios e, portanto, contribuir para a melhoria da gestão e da liderança em saúde e consequentemente para a melhoria na prestação de cuidados de saúde. Devem, também, promover a consciencialização da importância desta área no contexto atual do setor da saúde e a disseminação da importância da gestão e da liderança no sistema de saúde, assim como incentivar ao desenvolvimento de investigação relevante para o crescimento desta área específica do conhecimento. É, de facto, fundamental formar profissionais altamente qualificados na área da gestão, liderança e economia da saúde a fim de assegurar uma intervenção global e holística na gestão e na liderança das organizações de saúde. Nomeadamente com o advento de novas tecnologias digitais, tal como a inteligência artificial, que irão transformar profundamente o modo como se efetua a gestão da saúde em Portugal, na Europa e no mundo. Note-se, por exemplo, o impacto do Espaço Europeu de Dados de Saúde na complexa gestão deste setor.
Em suma, o setor da saúde está em constante transformação. O surgimento de novas tecnologias e de novos tratamentos, bem como de novos modelos de organização e de gestão reforçam a necessidade de uma formação específica capaz de capacitar os profissionais a serem agentes de inovação e adaptação, promovendo a integração de novas práticas e ferramentas tecnológicas que podem melhorar a prestação de cuidados de saúde. A formação em gestão, liderança e economia da saúde é fundamental para qualquer profissional que deseja atuar de forma eficaz e estratégica no setor de saúde. Esses conhecimentos possibilitam uma visão ampla e integrada dos desafios do sistema, promovendo soluções sustentáveis, inovadoras e centradas no doente. Dado o significativo aumento da procura nos sistemas de saúde e a limitação dos recursos, a capacitação nessa área é um investimento que beneficia não apenas o profissional, mas toda a sociedade, tanto a nível da prestação de cuidados de saúde como, também, na gestão da saúde pública, como foi o caso da pandemia pela COVID-19, onde ficou por demais evidente a necessidade de liderança firme e eficaz.
A gestão, a liderança e a economia da saúde desempenham papéis complementares na promoção de um sistema de saúde mais eficiente, equitativo e sustentável. Em conjunto, estes três pilares criam uma base sólida para enfrentar os desafios crescentes da saúde, promovendo o bem-estar da população e garantindo que o sistema de saúde possa continuar a oferecer qualidade e acesso universal no futuro.

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