Philippe Quesne apresentou no Porto a sua peça “Crash Park – a vida de uma ilha”, com a qual percorrerá Portugal e a Europa. O mote é simples: conta a história dos sobreviventes de uma queda de avião que tentam inventar uma vida na ilha onde caíram. Digo que é simples, pois a história, à primeira vista, esbarra nos clichês das séries que nos cansamos de ver. No entanto, o modo como Quesne a conta não é clichê. A começar pela linguagem utilizada – o dramaturgo recorre ao canto e à dança, quase não usando qualquer palavra. O silêncio da linguagem falada confere à palavra, quando dita, um maior sentido. Assim como um “ai de mim” grego. No entanto, a peça não é de todo silenciosa e sim cheia de música, choro, grito e risada. Outro elemento nada clichê é o cenário. Por mais catastrófico que pareça um avião caído sobre uma ilha, Quesne apresenta-nos quase um parque de diversões desses modernos – talvez daí a referência ao título da peça. Ele cria essa ideia de parque de diversões, não somente na conceção estética do cenário, mas também na relação das personagens com aquele local, aquela ilha. As personagens, mesmo passando por medos, desafios, catástrofes e pequenas vitórias, lidam com aquele ambiente como se realmente tivessem num parque temático. 

Há de se ressaltar que um ponto alto da peça é o caráter estético que Quesne consegue imprimir. A sua larga experiência de criação de cenários e a sua formação em artes visuais são nítidas neste seu último espetáculo. O local cénico não é somente um lugar no sentido prático onde a cena acontece – esteticamente, ele tem algo a dizer sobre o caráter descartável da nossa vida. Em última análise, o cenário parece a razão da peça existir, isto é, que Quesne criou tudo – a história, as personagens, a dramaturgia – a partir do cenário. Ele mesmo elucida: “Os meus espetáculos nascem frequentemente enquanto penso sobre paisagens, ou em que micro-mundo poderei mergulhar os intérpretes, um local onde eles terão que inventar uma vida possível em quaisquer circunstâncias”. É a partir dessa ilha, desse parque, que Quesne reflete sobre a vida humana. Constrói uma fábula inspirada num drama épico sem deixar os toques de humor fino e discreto. Esse universo pós-apocalíptico; a ilha, o idílico, ou o parque de diversões; tem um quê de Homero, Shakespeare, Júlio Verne e até mesmo Lacan. É nessa ilha que as personagens cambaleiam. Erram e acertam. Vencem e perdem. Choram e riem. Apaziguam-se e desesperam. Sobrevivem na tentativa e erro. Enfim, vivem a vida depois do Crash. 

Ao assistir o espetáculo, podemos perceber que é da nossa futilidade que criamos arte e superamos o ambiente onde estamos. Para Quesne, inventamos a nossa vida. Utilizamos da nossa maior arma – a imaginação – para nos reformularmos, nos restaurarmos, nos tornarmos novamente humanos. À sua maneira, Quesne responde à pergunta que formulamos assim que nos deparamos com o cenário da peça: o que acontece depois do Crash? A resposta é incerta, mas um detalhe que não nos deixa escapar é que esse Crash pode ser tudo: financeiro, amoroso, espiritual, ou até mesmo o fim do mundo.