Não é segredo que o sucesso de um país nas grandes competições desportivas mundiais, sobretudo em Jogos Olímpicos, assume importância na sua reputação político-económica a nível transnacional.

Recuando à Guerra Fria, a tensão URSS e EUA, que nunca eclodiu em conflito armado direto, materializava-se na “guerra” pelas medalhas olímpicas. Assim o fez Hitler enquanto líder da Alemanha, a China desde a sua entrada no top das nações mais poderosas do mundo, e tantos outros governos ditatoriais que ambicion(av)am a hegemonia da pátria. E tudo em nome de uma identidade nacional, impregnada no seu povo por meio de discursos furiosos em praça pública. 

Mas, se é verdade que o desporto une pessoas e despoleta sentimentos patrióticos saudáveis quando associado a disputas entre nações, também é gerador de pressões nocivas para os seus atletas quando encarado como simples veículo de demonstração de força económica e política de uma nação. O doping, a manipulação de dados biográficos e a excessiva carga horária de treino, são alguns exemplos daquilo em que pode culminar a “fome” dos governos por resultados.

A ginástica artística, pela sua extensa tradição olímpica, esteve sempre na ribalta no que toca a escândalos desportivos. O facto de ser uma modalidade ferozmente disputada pelas principais potências mundiais – Estados Unidos, China, Japão e Rússia são as mais medalhadas -, a tal “obrigava”. Desde a sua estreia nos primeiros Jogos Olímpicos, até às inéditas performances de Biles nos Jogos de 2016 e 2024, a ginástica artística moderna sempre se moveu a par com as mudanças no paradigma político mundial. 

Encorajadora de uma harmonia entre força, equilíbrio e elasticidade, desde a estandardização das suas regras para as Olimpíadas de 1928, que fixa um leque de momentos artísticos que apelam à graciosidade motora aliada a um domínio de certos aparelhos gímnicos por parte do/a ginasta. E foi exatamente a disciplina corporal que a sua prática acarreta que encontrou paralelismo numa das bandeiras do estalinismo: o equilíbrio individual só urge ser atingido enquanto corpo e mente são ambos exercitados. Daí que a prática gimno artística desde tenra idade tenha sido tão incentivada pelos governos do Bloco de Leste; com a inserção da possibilidade de ginastas de alto nível se formarem a tempo integral, a criação de centros de alto rendimento, ou até incentivos monetários para famílias de baixos rendimentos manterem as crianças na modalidade. Nadia Comaneci é um dos sucessos da “fábrica” de talentos soviética – com apenas 14 anos sagrou-se a primeira ginasta artística a receber a pontuação máxima de 10 pontos num exercício. Aos EUA pertence o ouro de todas as edições dos JO do século XXI no All Around da artística feminina. A ambição americana de acompanhar os investimentos desportivos da sua potência rival, há décadas que permite condições de excelência para ginastas natais alcançarem o topo da modalidade. 

Está então provado que objetivos políticos permitiram o desenvolvimento da ginástica artística de um modo não conseguido por outros desportos. O benefício da canalização de pesados investimentos por poderosos governos na sua prática, assim o ditou.